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Luiz Mauro

LUIZ MAURO – ENTRE A ESCURIDÃO E A LUZ

 

O ateliê é assunto da série de trabalhos que o artista goiano Luiz Mauro tem realizado nos últimos três anos. São obras que representam os locais de produção de obras de arte, ambientes geralmente isolados tidos como mundos particulares onde os  artistas gestam, concebem e executam  suas criações. Não é o seu próprio ateliê que ele representa, mas sim ateliês de importantes artistas da História da Arte Moderna e Contemporânea, cobrindo um arco de mais de um século sobre a documentação fotográfica dos ateliês de artistas, iniciada no século XIX durante o impressionismo.

O procedimento de trabalho de Luiz Mauro implica em  pesquisa, arquivamento e seleção de fotografias de ateliês, publicadas em diferentes veículos de grande difusão como livros, revistas e internet. São imagens cujas autorias geralmente não são mencionadas e que participam do circuito de arte como instrumentos de divulgação e de fetichização dos artistas, alimentando a curiosidade pública sobre a privacidade dos ateliês. Luiz Mauro seleciona fotografias documentais dos espaços arrumados e vivenciados pelos artistas em seus respectivos cotidianos: imagens reveladoras das particularidades da arquitetura como mezanino, janelas, assoalhos;  que fixam as disposições dos mobiliários e imortalizam as posições de objetos pessoais, de alguns instrumentos de trabalho e de modelos dispostos aqui e ali;  que registram  obras em processo ou acumuladas contra a parede ou displicentemente exibidas nos ateliês –  fotografados sem as presenças dos artistas ou de quaisquer outras pessoas. Existem apenas as evidências de pertencimento à August Renoir, Claude Monet, Mark Rothko, Georgia Okeefe, Andy Warhol, Roy Lichtenstein, Richard Serra, VanDogen, Cy Twombly, Lucian Freud,  Paula Rego, Georg Bazelitz e Lygia Clark. Restam somente seus vestígios filtrados pelos olhares dos diferentes fotógrafos.

Na  escolha das fotografias Luiz Mauro tem ainda como critério o alto contraste e as manifestações plásticas da luz entre o preto  e o branco.  A fotografia é imagem  fixada pela luz. E é justamente a representação da luz que interessa a Luiz Mauro ao realizar a transposição das imagens fotográficas  para outro suporte, com outros meios e com uma linguagem sem lugar  que transita entre desenho e pintura.  A maioria das imagens é reproduzida sem auxílio de projeção (somente agora, com o Ateliê de Bazelitz (2014), é que o artista passa a usar tal recurso), o que provoca marcas singulares na interpretação formal dada à imagem apropriada: teatralidade marcada pela perspectiva dos enquadramentos, pelo ritmo das linhas que definem os espaços, pelas bordas escurecidas dos planos, pela oposição marcada entre a escuridão e a luz que confere certa propriedade barroca às obras – propriedade esta que não se encontra nas matrizes fotográficas.

Sobre o suporte o artista aplica disciplinadamente inúmeras e sucessivas camadas de tintas de naturezas bastante diversas: primeiro a liquidez do nanquim que estrutura o desenho e define as zonas de luz e sombra, depois a densidade do óleo que satura o preto e marca o gesto do pintor na fatura da obra. Associadas criam gamas de texturas delicadas, vastas nuances de cinza e de preto que se aprofundam na escuridão mais completa. Parece que é sempre noite tamanha a gravidade  e a importância que o preto tem nos trabalhos, enfatizando ainda mais o contraponto da luz que surge em meio à escuridão – definindo o espaço – proveniente de fontes diferentes: filtrada por vidraças e janelas, vazada por uma porta aberta ou irradiada de fontes artificiais que não podem ser vistas. Como nas técnicas de nanquim e aquarela a claridade é obtida pela alvura do suporte gradualmente preservada em áreas distintas da representação.

Apesar de Luiz Mauro utilizar uma imagem de segunda geração fundada na fotografia, o resultado de seu processo se revela, ao fim, em nada fotográfico. São visíveis todos os embates com os meios bem como os procedimentos empregados para a constituição das obras. Seu objetivo não é reproduzir literalmente a fotografia e sim utilizá-la como matriz para a construção de uma obra que parte do registro documental para atingir o estado poético repleto de melancolia, e que exibe em si mesma seu modo de fatura cambiante entre desenho e pintura e sua existência autônoma da fotografia. Penetrando nas trevas em busca da luz, Luiz Mauro interioriza e subjetiva as imagens dos ateliês à procura da energia criadora que se manifesta nesses espaços onde, solitariamente, os artistas inventam e/ou refazem as representações de mundo.

 

Divino Sobral

Setembro de 2014

 

 

 

LUIZ MAURO - Nasceu em Goiânia-GO (1968). Vive e trabalha nesta cidade. Formação: autodidata. É professor de desenho e pintura na Escola de Artes Visuais (EAV), da SEDUCE-GO. Recebeu as seguintes premiações: Prêmio Aquisição do  I Salão de Arte Contemporânea do Centro-Oeste, Centro Cultural UFG, Goiânia/GO (2011); Prêmio CELG de Artes Plásticas, Centro Cultural da CELG, Goiânia-GO (2003); Prêmio BEG, Museu de Arte Contemporânea de Goiás, Goiânia/GO (1994);  Prêmio Galeria Aberta da 3ª Bienal Nacional de Arte de Goiás, Museu de Arte Contemporânea de Goiás, , Goiânia/GO (1993); Prêmio Brasília de Artes Plásticas, Museu de Arte de Brasília, Brasília/DF (1990); Prêmio Estímulo da I Bienal Nacional de Arte de Goiás, Museu de Arte Contemporânea de Goiás, Goiânia-GO (1988); Prêmio Artista mais Promissor do II Salão Nacional de Goiânia, Museu de Arte de Goiânia, Goiânia/GO (1985). Realizou entre outras as seguintes exposições individuais: Des Peintures comme des Photographies, Maison Européenne de la Photographie, Paris, França (2015); Cravos e espinhos, Fundação Jaime Câmara, Goiânia/GO (2004); Anima Angeli, Referência Galeria de Arte, Brasília/DF (2003); Galeria Funarte, Brasília/DF (1996); Galeria Macunaíma, Rio de Janeiro/RJ (1993); Museu de Arte Contemporânea de Goiás, Goiânia/GO (1990). Participou, entre outras, das seguintes exposições coletivas: Prêmio Pipa, Finalista do Pipa Online (2015); Triangulações, Centro Cultural UFG, Goiânia/GO, Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural Dragão do Mar, Fortaleza/CE, Museu de Arte da Bahia, Salvador/BA (2015); Onde anda a onda, Museu Nacional da República, Brasília/DF (2015); Como refazer o mundo, Galeria Luiz Fernando Landeiro, Salvador/Ba (2014); Espelho refletido, o Surrealismo na arte contemporânea brasileira, Centro Cultural Helio Oiticica, Rio de Janeiro/RJ (2012);  A cidade é o lugar, Museu de Arte Contemporânea de Goiás, Goiânia/GO (2012); Art Rio, Rio de Janeiro/RJ (2011); SP Arte 6ª Edição, Pavilhão da Bienal, São Paulo/SP (2010); Arte Contemporânea no Acervo do CCUFG, Centro Cultural UFG, Goiânia/GO (2010); Arte brasileira contemporânea: século XXI, Galeria Referência, Brasília/DF (2010); Olhar Multiplicado, Espaço Cultural Contemporâneo Venâncio, Brasília/DF (2002); III Bienal Mercosul, Itinerância no Conjunto Cultural da Caixa Econômica Federal, Brasília/DF (2002); III Bienal Mercosul, Poéticas Pictóricas, Santander Cultural, Porto Alegre/RS (2001); Brasil reflexão 97: a arte contemporânea da gravura, Museu Municipal de Arte, Curitiba-PR (1997); Art-Brésil, Museu Sursock, Beirute, Líbano (1997); BR 80  Pintura Brasil década de 80,  Itaú Galeria, Goiãnia/GO, Brasília/DF (1991).

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