top of page

Selma Parrera

Nasceu em Buriti Alegre/GO (1955). Vive e trabalha em Goiânia/GO.   Formação: Licenciatura em Desenho e Plástica, Universidade Federal de Goiás. Especialização em Gravura, Guanajuato, México, 1980. Mestra em Cultura Visual, Faculdade de Artes Visuais da UFG. É professora da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás desde 1993. Recebeu as seguintes premiações: Prêmio Arte e Patrimônio, MINC – IPHAN, (2009); Prêmio Aquisição da III Bienal de Arte de Goiás, Museu de Arte Contemporânea de Goiás, Goiânia/GO (1993); Prêmio de Pintura do  III Salão Brasileiro de Arte Brasil-Japão, São Paulo/SP. Realizou entre outras as seguintes exposições individuais: Desuso,  Galeria da FAV, Goiânia/GO  (2015); Uma pedra azul e um rio vermelho, Galeria Canizares, Salvador/BA (2013); Velar e revelar, Galeria Referência,  Brasília/DF   (2001); Lonas, Cores, Costuras, ARIA Espaço Cultural, Recife/PE (1996); Museu de Arte Contemporânea da USP, Pavilhão da Bienal, São Paulo/ SP (1994); Espaço Capita, Brasília/DF (1988); Galeria Paulo Cunha, Rio de Janeiro/DF (1987); Galeria Paulo Figueiredo, Brasília/DF (1985). Participou entre outras das seguintes exposições coletivas: O papel do museu, Museu Nacional da Republica, Brasília/DF (2015); Vozes da América Latina, Espaço Furnas Cultural, Rio de Janeiro/RJ (2014); Arte Contemporânea brasileira no acervo do CCUFG, Centro Cultural  UFG, Goiânia/GO  (2011); Pegando a Teia, Centro Cultural Dragão do Mar, Fortaleza/CE (2010); Fotografia Goiana Contemporânea - Foto Arte Brasília 2005, Espaço Cultural Renato Russo, Brasília/DF (2005); Mitos e Territórios, Museu de Arte Contemporânea da USP – Ibirapuera, São Paulo/SP  (2004); Novas Aquisições Coleção Gilberto Chateaubriand, Museu de Arte Moderna,  Rio de Janeiro/RJ  (2004); Mitos e Territórios,  Museu de Arte Contemporânea, Porto Alegre/RS (2003);  III Salão Nacional de Arte de Goiás – Prêmio Flamboyant, Goiânia/GO(2003); III Salão UNAMA de Pequenos Formatos,  Galeria da UNAMA,  Belém/PA  (1997); BR 80 - Pintura Brasil década de 80, Itaú Galeria, Brasília/DF, Goiânia/GO, São Paulo/SP, (1991);  Salon 1990, Societé Internationale des Beaux -Arts, Paris, França   (1990); Goiás: um olhar sobre a arte contemporânea do Brasil, Dijon, França (1990);

DESUSO

Poética e memória do espaço e do objeto

 

Localizados na cidade de Anápolis, Goiás, a cerealista Arrozeira Boa Safra e o prédio do extinto Armazém Feliz, de secos e molhados, pertencem à família da artista plástica Selma Parreira. Há dois anos os locais recebem dela constantes visitas, ocasiões em que busca ressignificá-los com anotações gráficas nas paredes dos galpões abandonados, retendo as memórias de décadas de vivências que a marcaram profundamente.

O que vemos nas pinturas, em várias técnicas - Selma chama a série de “Desuso” -, são metáforas de uma poética de desocupação, de esvaziamento de significados do espaço, quando o galpão lentamente ganha uma nova função comercial.

Selma registra, fotograficamente e também em obras pintadas, todo esse processo de translado e transmutação do material para o imaterial de sua memória afetiva, como se pelo processo criativo ocorresse uma cura do apego a toda uma longa história familiar que lhe alimentou o imaginário por décadas.

Mas também é muito mais do que isso, como Selma fala: “Nas minhas lembranças de infância, a MÁQUINA é o espaço de trabalho dos homens, para onde se dirigiam, todos os dias e por cinco décadas, meu avô e seus dois filhos, e, nos últimos anos, meu pai e meu irmão. Essa antiga área central da cidade ostentou por muitos anos um concentrado de armazéns cerealistas e o comércio de secos e molhados, mas hoje quase todos os galpões estão desativados de suas funções originais. Alguns foram demolidos, mas a maioria está destinada a diversas ocupações e automaticamente sujeita ao apagamento de sua história. Numa ação sem sentido contrário e mediante os recursos da arte, recolho resíduos e busco registrar, com fotografias, desenhos, pinturas e vídeo, o que encontro de história do lugar, quase sempre impregnado de memória e poesia”.

E é dessa poesia de memória, e vice-versa, que se estabelece, pelo uso e pela ação do tempo, uma grande força gráfica vinda de todos os pormenores e detalhes desse galpão: quando vaza, acima, um céu de intenso azul do cerrado emoldurado/marcado pelas vigas de teto escuras de fuligem em que Selma viu a “geometria da luz”; portas cerradas ou vedadas para lugar nenhum que incitam nossa imagética; restos de maquinários, agora mais que obsoletos e pertencentes à dimensão do nãoobjeto; anotações comerciais e achados de identificações funcionais ou fissuras de parede.

Tudo constituindo um vasto inventário do passado que se faz presente na reinvenção do olhar fotográfico e do recorte espacial que passa a ressignificar o poético no espaço sagrado da pintura.

Selma potencializa suas visões simbólicas desse espaço não mais efetivo da memória familiar, mas vastamente afetivo em sua memória de artista. Agora tudo é transcriado em seu “transver”, em um cromatismo rico e essencial, desenhando, como ela diz, “paredes sujas e marcadas, as estruturas de madeira dos grandes telhados, soluções da construção popular com vazados e gambiarras que sabiamente refrescam e iluminam os espaços. Esses detalhes estão presentes nas pinturas”. Mas estão mais que presentes: o substrato poético de tudo isso abre em cada tela/parede outros espaços de vazar, ocultar, encher o olhar de ligamentos que, de tão pessoais da artista, nos fisgam para seu universo tão particular e nos ressignificam intimamente com o que há de mais imenso em nossas emoções.

Selma está a conviver, no meio de toda a transformação do armazém e da cerealista, com o que ela chama de “processo de apagamento”. Mas a borracha sobre a memória do tempo jamais pode apagar o que a arte eterniza. As obras desta mostra põem em uso de poesia todo o desuso de gesto da impermanência da vida. “Desuso” apresenta-nos uma bela forma de transcriar a morte aparente e sempre passageira de um lugar que nunca vai deixar de ser um armazém de arroz numa cerealista feliz.

 

Bené Fonteles

bottom of page